domingo, 3 de janeiro de 2010

A maioridade do ECA e a violência sexual contra crianças e adolescentes

Há 18 anos, consubstanciava-se o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), um autêntico divisor de águas na vida da infância brasileira. A legislação, criada em 1990, ainda nem de longe atingiu a “maioridade”, no sentido amplo da palavra, mas deve ser louvada por, pela primeira vez em nossa história, ter-nos feito enxergar a criança (e o adolescente) como sujeitos de direitos exigíveis, e não mais apenas objetos do direito, rompendo com uma terrível herança nacional.

Além disso, alterando as relações jurídicas e tirando crianças e adolescentes de uma situação “irregular”, o ECA que comemoramos trouxe o novo paradigma da proteção integral, introduzindo na sociedade brasileira obrigações do Estado e da sociedade civil para com a infância e a juventude e, principalmente, formalizando a nova premissa de que o pátrio-poder é, antes de mais nada, um poder-dever. No entanto, tal Estatuto foi muito além destas importantes considerações jurídicas e sociológicas e, de forma prática, criou garantias processuais e mecanismos democráticos de aplicação e fiscalização do que passou a ser lei, e que obviamente precisam ser atualizados de tempos em tempos.

Dentro do grupo de providências que o ECA criou estão os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares, que todo município brasileiro hoje tem ou deseja criar, treinar e alimentar, e também o espaço para uma mentalidade mais moderna e integral, que reescreve o lugar da criança em nossa cultura e a considera como ser humano em desenvolvimento, num momento peculiar da vida, em que necessita dramaticamente de um tecido social fortalecido e verdadeiramente protetor.

No tocante à violência sexual – sem dúvida uma das piores formas de violação de direitos da criança e do adolescente, entendida como abuso sexual e/ou exploração sexual (pornografia, turismo, tráfico e prostituição infantil) -, o ECA também inovou e trouxe a possibilidade de ação, apesar de não detalhar procedimentos, não contemplar processos específicos ou propor responsabilização criminal adequada, coisa que hoje precisamos refazer. Na verdade, esta deve ser a nossa contribuição e o grande presente neste aniversário de 18 anos do ECA: uma urgente atualização, que já começa a ser sentida no âmbito dos crimes cibernéticos (como abuso on-line, pornografia infantil na internet, etc), com o trabalho da CPI da pedofilia, e também no âmbito da imprensa que, mais esclarecida e atenta, tem trazido o assunto à luz, avançado nas discussões e conclusões e, principalmente, tirado o véu do problema, para que ele possa ser enfrentado na vida real.

Então, por fim, o que podemos e devemos continuar fazendo é exigir que Projetos de Lei que há anos tramitam no Congresso Nacional, pendurados apenas por uma aprovação final na Câmara ou no Senado, saiam logo do papel, venham para a sociedade e sejam cumpridos, a fim de melhorar a realidade de crianças e adolescentes que cada vez mais sofrem com este tipo de problema e, a rigor, deveriam ser prioridade nacional, segundo a nossa Constituição.
De mais prático ainda, queremos listar aqui alguns Projetos de Lei pendentes, a título de colaboração. São eles: o PL 4850/05, que amplia a definição de estupro; o PL 4851/05, que tipifica como crime disponibilizar o acesso de cenas de sexo envolvendo criança ou adolescente na Internet; o PL 4852/05, contra hospedagem de criança ou adolescente sem autorização dos pais; o PL 4125/04, que exige em hotéis, bares e restaurantes informação contra a exploração sexual de crianças e adolescentes; e, por último, e o mais importante de todos, o PL 4126/04, que cria regras especiais para a realização de apuração pericial/policial, no sentido de estabelecer um depoimento único gravado das vítimas infanto-juvenis, a fim de não transformar o processo penal numa revitimização das próprias vítimas.

* Ana Maria Drummond é Diretora Executiva da Childhood Brasil, ONG que desenvolve programas para a proteção de crianças e adolescentes em situação de risco no país desde 1999, criada pela Rainha Silvia da Suécia. www.wcf.org.br

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